sexta-feira, 31 de julho de 2009

E Viva Onassis !

Outro dia, numa dessas viagens de trem do nada a lugar nenhum, sentou-se à minha frente uma professora de história para o ensino mé(r)dio. Na verdade, ela leciona para um projeto brasileiro no meio do Oriente Médio. Algo bem irreverente.

Entre as milhares de coisas que ouvi e ignorei, uma frase dela (na verdade, não é dela) chamou-me a atenção, não sei se por razões estritamente pessoais ou se porque a citação é boa mesmo:

"Família é um grupo de pessoas unidas pelo sangue e separadas pelo dinheiro!"

A frase foi atribuída Aristóteles Onassis que, se não falou exatamente isso, deve ter dito algo parecido, tendo em vista sua visão mordaz da relação homem-dinheiro.

E se pensarmos - não demais - nesse tema (família x dinheiro), a verdade quase incontestável é que não poderemos chegar a uma conclusão muito diferente...

É muito comum se ouvir histórias de casais discutindo (e, até se matando) por causa de dinheiro. Não é a toa que, segundo minha experiência pessoal e profissional, enquanto mais de 60% dos divórcios (formais ou não formais) têm como causa principal o dinheiro, menos de 15% têm outras que, teoricamente, seriam mais "óbvias", como traição, por exemplo.

Neste ponto, lembrei-me de um grande amigo, de quem sinto saudades - o Pepê -, uma pessoa que, dentro de toda a sua loucura, contém pérolas insuperáveis; uma delas: "...nenhum relacionamento suporta pouco ou muito dinheiro...", praticamente um Onassis.

De qualquer forma, não é nessa direção que gostaria de apontar. Que um casal discuta sobre dinheiro, vá lá. Mas, o que realmente entristece é quando o vil metal é responsável por rupturas (ou, na melhor das hipóteses, por cicatrizes profundas) entre gerações consanguíneas: entre pais e filhos, avôs e netos, tios e sobrinhos, etc..

Veja-se. Nas famílias que tem seus patriarcas oriundos da Europa Ocidental, são muito comuns dois tipos de histórias (nem sempre verídicas): ou o fulano saiu antes da Guerra (a Segunda) e trouxe consigo as economias para o Novo Mundo e por lá prosperou ainda mais, ou saiu durante, mas prosperou - e bastante - às custas de muito sangue, suor e lágrimas.

Em ambos os casos o apego ao dinheiro vira algo de tal maneira doentio que a educação da primeira geração seguinte é, de igual forma, viciada. Normalmente cai numa superproteção da prole, sob o falso argumento do "não quero que meu filho passe o que eu passei". Falsa porque de "proteção" (muito menos "super") não tem nada. Trata-se, em realidade, de instalar uma ditadura do dinheiro e de jogar na cara do filho de que o pão que está na mesa é fruto de um sofrimento (nem sempre verdadeiro) de que ele - o filho - está sendo "poupado".

Resultado? Uma geração de fidalgos: ao mesmo tempo apegados demasiadamente ao dinheiro e ignorantes na sua administração! Sabe aquele ditado: "avô rico, pai nobre, neto pobre"? Pois é, esta é a geração da nobreza nababesca, ou seja: muita sardinha na mesa e muito cheiro de salmão no ar...

Mas o problema verdadeiro nem está aí. Ele surge, de fato, na seguinte geração - a dos "netos pobres". E é aí que a suposta frase de Onassis ganha seu verdadeiro sentido. Os "pais nobres" tentam impor o mesmo regime ditatorial aos "netos pobres", por pura ignorância mesmo... porque nem a estorieta do "sangue, suor e lágrimas" cola mais!

Todavia, os "netos pobres" - estes, geração nascida, geralmente, nos anos 1970 e, portanto, no início da revolução técnico-científica - não gostam nada da idéia de serem "pobres" e, muito menos, sujeitos a uma ditadura dogmática, burra e sofista.

Os "netos pobres" menos conformados (normalmente mais ativos, inteligentes e, principalmente menos acomodados) iniciam uma revolução. Um misto de declaração de independência e busca das causas das mazelas que se anunciam. E o que eles encontram? Eis a lista:

1) Os "avôs ricos", enquanto vivos, encarnam a persona dos senhores feudais e afastam-se do problema, pelo menos diretamente; mas, indiretamente, culpam os "pais nobres" por terem "falhado" na educação dos "netos pobres" e, aí, descontam da única forma que lhes é conhecida: o dinheiro; em suma fecham as torneiras;

2) Os "pais nobres" encaram a revolução como verdadeiro coup d'état e assumem a seguinte posição napoleônica (aliás, bem a calhar o adjetivo, diante do estado mental final da figura histórica em referência): corte total de suprimentos da linha inimiga o que, normalmente, somente fortalece os revoltosos, já que tal comportamento escancara a ignorância da linha ascendente direta em razão de toda uma vida de submissão e, pior, de pura e odiosa acomodação.

3) Os outros "netos pobres", aqueles que preferem sujeitar-se à ditadura econômica pois herdaram os genes da submissão e da acomodação vexaminosa, comportam-se como espectadores horrorizados, um pouco até admirados. Mas a admiração transmuda-se, rapidamente, para uma ar blasé, do tipo "como você é ingrato, cuspindo no prato que comeu" e, no mesmo instante, voltam às vassalagens para garantir, quiçá até o fim da vida, o mísero pão (dado, não "ganhado") de cada dia.

Como estamos falando de milhares de revoluções simultâneas (muitas, ainda, em pleno andamento), é óbvio que algumas são vitoriosas e precursoras de uma nova geração de sucesso moral e (por que não?) econômico; e outras resultam no sucumbimento do revoltoso que, com o rabo entre as pernas, volta às masmorras, devendo carregar, para o restou da vida (sim, até o fim de seus dias) o fardo da humilhação e de novas obrigações vassalares. Neste último caso, a revolução somente está adiada.

Mas as revoluções vitoriosas trazem, em si, um custo terrível: a irremediável ruptura dos laços consanguíneos ascendentes e, em alguns casos, colateriais diretos (irmãos). E o pior disto tudo? A próxima geração direta, que vou chamar de "bisnetos anônimos".

Na verdade esses "bisnetos anônimos" sofrem de três formas. De novo, a lista (a última):

1) Eles não têm avós (os "pais nobres") que, ainda encastelados em suas fortalezas de cartas, mantêm seus narizes devidamente alinhados acima do horizonte, com muita espinha de sardinha na garganta.
(Obs.- Os bisavós [os "avós ricos"], os verdadeiros culpados, ou já morreram, ou estão "em vias de")

2) Eles não têm tios (os "netos pobres", submissos e acomodados) que, como estão irremediada e siamesamente ligados aos "pais nobres" engasgam com as mesmas espinhas.

3) E o pior: eles não têm primos (outros "bisnetos anônimos"), crianças inocentes que se dariam como ótimos e cúmplices amigos e que, fatalmente, somente se conhecerão "por ouvir dizer", se é que se conhecerão um dia (quando for tarde demais).

Enfim, num breve histórico, que engloba 4 gerações, vê-se que Onassis tinha mesmo razão!

E, pensar que tudo, normalmente, baseado na imbecilidade e na falta de senso de um ancestral que, apesar de déspota, considera-se, nada mais, do que uma pobre e coitada vítima...

E Viva Onassis!

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