Qual
é a relação entre a loucura e a morte? Bom, prefiro começar pela
segunda. Queiramos ou não, a morte é nossa aliada; quem sabe lidar
com ela, tem mais claro qual o significado da vida. Não quero entrar
em aspectos ideológicos ou religiosos, já que, por mais úteis que
possam ser para alguns, têm o condão de nublar uma análise mais
prática e – por que não? - mais realista.
Enfim,
a morte é nossa companheira, está ao nosso lado, tem-se que
aprender a conviver com ela. Não seria demais dizer – por mais
chavão que possa parecer – que é a única certeza que temos na
vida. Então, ela deve ser entendida com um simples e verdadeiro
contraponto. A vida só pode ser entendida como tal, porque a morte
existe, e vice-versa.
Entender-se
com a própria morte é, em última análise, ter consciência de que
existe um fim. É certo que existem aqueles que acreditam que o fim
é, nada mais, que um recomeço. Confesso que tenho certa simpatia
pela teoria. Mas meu lado agnóstico somente me permite dar a isso,
no máximo, o benefício da dúvida. Só.
E
o que é, de fato, um fim, nos termos aqui tratados? O fim é uma
transformação profunda naqueles que permanecem. Explico. A
tendência é uma guinada intensificada nos sentimentos para com o
perecido. O amor tende a virar ou ódio ou obsessão, sempre
acentuados. E o ódio, por sua vez, transveste-se de adoração e, o
que é mais ignóbil, num misto sentimento de pena e regozijo.
O
que os que permanecem não percebem é que se prender a um fim alheio
é amargar o sentimento e o sofrimento de outrem. É encomendar para
si algo que não lhe pertence. É dar azo a primitivos e instintivos
impulsos. Em resumo, é vestir-se com uma roupa que não lhe cabe.
Decorre
de tudo isso que, sem sombra de dúvidas – para mim pelo menos -, a
tristeza, entendida como sentimento puro e simples, não existe. A
tristeza é uma máscara que é criada para esconder sentimentos que
não se quer revelar. Mais ainda, que se quer, a todo custo,
esconder, seja por serem vergonhosos mesmo, ou porque são tão
íntimos que passam a ser irreveláveis.
Acontece
que não se pode sustentar a máscara – justamente por ser máscara
– por muito tempo. Obviamente, muito é um termo relativo e, nesse
meu devaneio, somente significa a impossibilidade do eterno; vale
dizer, se a única certeza é o Fim (propositalmente grafado com
maiúscula), o eterno, assim como a tristeza pura, não existe.
OK.
Mas, voltando à primeira frase do que ouso escrever: o que a loucura
tem a ver com a morte? Bem, não é assim tão simples explicar, já
que o termo loucura, por si só, é muito controverso. Destarte, vou
reduzi-lo – e não me envergonho desse meu impulso minimalista –
ao simples estado de alteração mental que não se encaixa no que se
ousou definir como “normalidade” (propositalmente grafado entre
aspas).
Levando
esses pré conceitos em consideração, a loucura nada mais é do que
o bom conviver com o conceito de morte. É entender que ela é a
nossa única companheira fiel e que a tratar bem nada mais é do que
encarar a realidade como é; como, de fato, se apresenta. Essa minha
conclusão parcial leva, necessariamente, a uma outra conclusão –
essa, menos parcial: de que a loucura está muito mais próxima da
“normalidade” do que o normal. É um paradoxo, até mesmo
vicioso, mas verdadeiro.
Aqueles
que são encaixados nos perfil da “normalidade” nada mais são do
que indivíduos que consideram a tristeza pura como viável, que se
consideram capazes de suspender a máscara eternamente, e que, então,
não bem convivem com o Fim.
É
verdade que é possível apaziguar a loucura com artifícios
químicos; mas, nesse caso, o apaziguamento serve, mais propriamente,
para acalentar os sentimentos dos “normais”, que se sentem,
obviamente, muito incomodados de serem confrontados com a extrema
fragilidade da autoimposta “normalidade”.
A
loucura, assim, como a morte, tem o especial papel de demonstrar que
a “normalidade” é artificial; que é uma realidade construída
para ser confortável, para esconder o verdadeiro Fim da vida que,
aqui, já pode ser conceituada como a verdadeira finalidade
da vida.
O
dia em que a maioria da Humanidade dar-se o deleite de se prender
menos à “normalidade” e dar asas a loucura – tal qual, de
forma minimalista, busco definir -, talvez, uma boa convivência com
o Fim trará melhores id's, menos afetados por alter-egos
frustradores, obsessores e castradores. Parece forte, mas não é. É,
tão simplesmente uma verdade que somente a loucura pode explicitar.
Sinto
muito. Mas sem tristeza, porque não me permito dominar pelo que, em
última análise, não existe; não, pelo menos, na forma pura, que a
“normalidade” tenta impor.
Conviver
cotidiana e salutarmente com o Fim é permitir-se desvencilhar do
esteriótipo do “normal”, assim como o é do “justo” e do
“temível”. Mas, com relação a esses dois últimos - “justo”
e “temível” - terei que me aventurar em um novo pseudo-ensaio,
para o que procurarei, oportunamente, investir mais fosfato, sem
temer o Fim, por óbvio.