sexta-feira, 1 de abril de 2011

Veja bem: a verdade não existe!


Já se vão uns três lustros. E lá estava um colega de formatura no exame da Ordem dos Advogados. Naquela época, após as fases escritas, havia o exame oral. Sorteava-se um ponto, dissertava-se sobre ele e, após, iniciava o bombardeio da banca constituída de três examinadores, com plateia.

Não me recordo exatamente qual foi a primeira pergunta realizada a esse meu amigo – que, aliás, não vejo há muito. Mas me lembro perfeitamente da resposta, ou melhor, da tentativa de resposta: “Veja bem,...”. Não deu tempo nem para ele tomar o fôlego. O examinador, de súbito, cortou-o: “Vamos para a próxima pergunta; começou com 'veja bem', é sinal que vai enrolar...”

Feita essa oportuna introdução de cunho histórico, vamos às considerações que, após cozinharem uns bons meses os meus miolos, me trazem à baila.

Veja bem: a verdade não existe!

Durante muito tempo – até demais -, o conceito de verdade foi parte do meu cotidiano profissional. E, justamente por isso, por ter que tratar incessantemente com a demonstração da verdade para outrem, que passei a desconfiar que ela não existe. Caso contrário seria um postulado, não um teorema. A verdade do tipo “c.q.d” não faz o menor sentido filosófico.

Existem milhões de aspectos que podem corroborar com essa minha constatação. Procurarei abordar alguns. Uns parecerão, sei, verdadeira elucubração teórica. Escuso-me. Contudo – acho que já escrevi isto antes -, uma das grandes vantagens de se escrever ao léu é não ter compromisso com o agrado ou a aprovação.

Abordo primeiro um aspecto psicológico, passarei ao físico e terminarei com um sociológico.

O conceito de verdade é derivado da percepção dos acontecimentos. Vale dizer, os órgãos do sentido humano percebem alguma alteração no meio e o intelecto transforma essas sensações numa verdade íntima. Íntima, aqui, no sentido de pessoal. Ao longo caminho percorrido entre a percepção/sensação e a formação da verdade íntima, de certa, há barreiras: ora físicas ou biológicas, ora psíquicas. Essas barreiras psíquicas são a principal causa da inexistência da verdade.

Abro parênteses. Parece óbvio que, quando escrevo “transforma essas sensações numa verdade íntima”, estou incorrendo numa grave contradição na medida que afirmo, categoricamente, que cheguei à conclusão que a verdade não existe. Redimo-me agora: a verdade íntima, sim, existe; mas ela é de tal maneira íntima que poderá não ser alçada ao conceito de verdade "stricto sensu" – já que é extremamente difícil duas pessoas terem as mesmas barreiras psíquicas, atuando na mesma intensidade e ao mesmo tempo. Fecho parênteses.

Mas o que são essas barreiras psíquicas a que me refiro? Poderia escrever um tratado a respeito, mas vou tentar sintetizar em duas palavras, literalmente: preconceito e influência. Bons ou maus, pouco importa. Se duas pessoas, por exemplo, veem uma mesma coisa acontecer - um exemplo banal: uma bola que cai de uma janela -, não vão simplesmente registrar o fato de que a bola caiu da janela; mas, inconscientemente, vão querer, no íntimo, justificar o motivo da bola ter caído da janela e criar todo um dissertação mental, com começo, meio e fim, onde se encaixa a cena da bola caindo.

Mas não se vê bolas caindo de janelas constantemente...

Bolas que caem de janelas são fatos que não nos confrontam com a verdade (e, mesmo se o fizessem, já nos traria problemas). No outro oposto, só para ilustrar onde quero chegar: imagine se essas duas pessoas, enquanto olhavam a bola caindo da janela, estivessem em bancos do passageiro de dois carros distintos que, segundos após, se envolvem num grave acidente...

E notem que só abordei o aspecto visão dos sentidos conhecidos. Imaginem os outros. Não só o olfato, o tato e a audição. Mas, principalmente, os sextos e sétimos sentidos que sempre envolvem a percepção da realidade.

Ops! Realidade? Realidade não seria a verdade, meu caro?

Não! E aí entra o aspecto puramente físico da questão.

E ele está diretamente relacionado ao conceito científico de velocidade (principalmente, as da luz e do som). Vou tentar abordar a questão sob um aspecto macroscópico. Olhemos para um céu limpo à noite, poderíamos dizer que é verdade que ele é estrelado. Mas não é! A realidade que percebemos naquele dado momento é que ele está estrelado; mas o fato é que muitas estrelas não estão mais lá. E mais, podemos não estar vendo outras que sim estão, por influência das outras.

Explico bem rapidamente. Praticamente todos sabem que o conceito de ano-luz é a distância percorrida pela luz em um ano no vácuo. Ótimo. Consideremos que uma estrela esteja a 2 anos-luz daqui. Vamos supor que essa estrela exploda agora. Nesse exato momento. A luz provocada pela explosão só vai chegar daqui a dois anos; e, durante todo esse período estaremos vendo (realidade) algo que, na verdade, não está mais lá.

Só para surfar num onda apocalíptica – que está na moda -, ouso dizer que o mundo pode ter acabado, e nós nem sabemos! Só saberemos daqui uns oito minutos, que é o tempo que a energia do nosso Sol – que pode ter explodido ou, simplesmente, estar extinto neste exato momento – demora para chegar aqui...

Concluo, de uma forma infinitesimal, que a verdade não pode, sob nenhuma aspecto, ser percebida. O que consideramos verdade – tirando aqui todos os enormes desvios psíquicos antes abordados por mim -, nada mais é do que uma percepção momentânea de uma realidade.

Mas, por incrível que pareça, nenhum desses dois pontos até aqui abordados, são os mais importantes para comprovar a inexistência de um conceito não íntimo de verdade.

O ponto fulcral é como a existência ou não de tal conceito influencia a vida em sociedade. Digo em sociedade porque a verdade íntima (que, sim, repito, existe), governa cada um de si enquanto não se relaciona com outrem.

E aqui chegamos numa das mais esdrúxulas alegorias inventadas pelo homem para tentar resolver esse problema: a diferença entre que é chamado de “verdade real” e “verdade formal”. Só a existência desses dois “conceitos” já seria o bastante para comprovar a minha tese. Mas vamos um pouco mais além. “Verdade real” e “verdade formal” são conceitos sociológicos e tomados emprestados pela ciência jurídica e que, em meio essa última, governa toda a teoria geral da provas.

Entramos, então, num campo fértil e perigoso que pode ser sintetizado em uma frase: verdade, então, é tudo aquilo que pode ser provado. Perece-me intuitivo que esta frase, que grifei de propósito, é um dos maiores absurdos semânticos já criados. Vou fazer uma pergunta – só de brincadeirinha: Deus existe?

Brincadeirinhas (de mau gosto, admito) a parte, o fato é que o que se designa de “verdade real” nada mais é do que o conceito de realidade que, seu eu pudesse estimar, diria que em mais de 50% das vezes, não pode ser provada. E “verdade formal” é uma realidade fictícia que emerge da habilidade de quem logra produzir o melhor elemento de persuasão – nem sempre racional – ao destinatário da prova.

Vivemos, assim, quando em sociedade, somente com base tal “verdade formal” que, como acabei de escrever, e faço questão de repetir, é diretamente relacionada ao conceito de persuasão que, por derivação lógica, não tem nenhum compromisso com a realidade.

A “verdade formal”, assim, tenta, de forma muito canhestra acomodar a onipresente incompatibilidade das verdades íntimas que, por sua vez, são aquelas carregadas das barreiras psíquicas – preconceitos e influências – a que me referi.

Dois últimos pontos:

Primeiro: aos que tiveram a paciência de chegar até esse ponto do texto, tenham a fineza de reler as duas primeiras palavras do quarto parágrafo.

Segundo: e esse só para constatar uma irônica coincidência. Intuitivamente, temos que o antônimo de verdade é mentira, não é mesmo? É por mero acaso que escrevo este texto num 1.º de abril...

  

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