domingo, 27 de setembro de 2009

Utálatos Nővér

Recebi um carta, à moda antiga, de papel, de um bom e complicado amigo. Prefiro transcrevê-la primeiro para, depois, traçar alguns pequenos comentários.

Lá vai, textualmente:

"...

Kfar Saba, 25/09/09 - 21:50 hs - horário local.

Estou há quase 10 meses em Israel e, até agora, somente tive coisas boas para dizer acerca do país e, sobremaneira, do "povo israelense" (não o "judeu").

Toda aquela antipatia do povo israelense (repito, não me refiro ao povo judeu), sua dureza ou aspereza, parecia, para mim, até agora, mera lenda.

Até agora...

Pois bem, estou no Hospital Meir, para passar a noite com a minha filha menor, que está praticamente curada de uma pleuropneumonia, graças aos ótimos serviços prestados pelo nosocômio.

Um enfermeira estava com dificuldades com o computador que existe na estação de enfermagem e, como eu passava por lá, ela me perguntou em hebraico, que entendi: "...você entende de computador?...". Respondi - em hebraico (!) -: "...mais ou menos...". E ela: "...isso não escreve!...". O fato é que, simplesmente, bastou sair do programa interno do hospital e entrar novamente, que ele voltou a funcionar. Ainda brinquei, em hebraico: "...os computadores são como "Golem" cibernéticos...".

Foi quando uma outra enfermeira, muito simpática, viu minhas tatuagens nos braços que, com orgulho, levo os nomes de minhas filhas. Ela perguntou: "...são tatuagens?...". Eu disse que eram e que tinha outras mas, em razão da minha profissão, elas ficavam escondidas.

Então, a primeira enfermeira, a do computador, disse alto o suficiente para eu escutar: "...para mim você é um criminoso...". Fingi que não ouvi e ela percebeu que eu fingi. O papo seguiu com a outra enfermeira, sobre o Brasil e outras amenidades.

Minutos depois, passava eu, de novo, pela estação, e a enfermeira do computador empreendeu o diálogo mais contraditório (para não dizer kafkiano) que já vi aqui em Israel.

Ela disse algo assim: "...olha, desculpe por eu ter dito aquele negócio de criminoso...". E eu: "...deixa pra lá...". E ela: "...é que meus pais estiveram em Auschwitz e eles tinham um número tatuado no braço...". Eu disse: "...entendo, essa história é realmente muito triste, vamos deixar as tatuagens pra lá..."

Até aí, tudo bem.

Mas, em seguida, ela disse algo em iídische, algo como "entendeu?". E eu, para azar dela - ou para o meu -, lembrei das minhas poucas aulas de alemão e respondi: "entendido", provavelmente pronunciando a palavra em iídische de forma errada.

Aí veio a facada, em hebraico, que coloco no original:"...stam she'iesh lechá shem mishpachá iehudi...". Traduzo: "...DEVE SER POR ACASO QUE VOCÊ TEM SOBRENOME JUDEU!..."

Demorei alguns segundos para acreditar no que tinha ouvido. Voltei para o quarto de minha filha para processar a informação.

Uma vez processada, voltei para confirmar se ela tinha falado isso mesmo.

E ela tinha. Tentou se justificar (muito esdruxulamente): "...é que para mim, quem não fala iídische não é judeu...".

A discussão seguiu de forma educada e, a uma certa altura, perguntei: "...você sabe onde meu pai nasceu?...". Ela chutou: "...Polônia...".

Eu disse não: "...ele nasceu aqui! Graças a pessoas como ele, que construíram esse país, é que você tem um lugar para viver...".

Ela ficou meio muda. A outra enfermeira tentou desconversar. Mas ela contra-atacou: "...o seu pai deve falar iídische...".

Limitei-me a dizer que não tinha achado delicado ou correto o que ela tinha falado. A outra enfermeira continuou querendo desconversar.

Virei as costas. Voltei para o quarto de minha filha, com uma "tristeza interna" (não achei outra palavra) que acho que jamais senti.

Cada vez me convenço mais que é por essa e por outras que o povo israelense (no caso, também, judeu) - que, originariamente nem é o caso dela (ela é húngara! Grande coisa, para não dizer grande merda...) - merece o esteriótipo de desrespeitoso.

Estava pensando, até agora, em escrever uma carta de reclamação ao hospital. Mas acabo de chegar à conclusão de que não vale a pena.

Até agora, tudo tem se mostrado muito positivo para mim. E tenho mentalizado que isso deve continuar assim.

Não há de ser um incidente desses que me tirará do caminho que tracei. Lição aprendida.

Quanto à enfermeira húngara. Desejo que ela possa viver muitos anos e falar muito iídische (antes que ela e a língua morram), para poder enaltecer a grande contribuição do povo húngaro para a humanidade... Nada contra os húngaros; aliás, nada contra ninguém! Mas acho que viver em Israel deveria ser um exercício diário de tolerância e quem não aprende isso, há de ficar estacionado na História, atropelado pela modernidade e sufocado pela pró-atividade dos bem sucedidos !

..."

Bom, tenho pouquíssimos comentários. Na verdade só um. O pior dos preconceitos são aqueles não óbvios. Você falar do preconceito contra os judeus, ou dos próprios judeus com os outros povos e religiões, não choca nada.

Mas estamos cercados, diariamente, de pequenos incidentes como esse que narrou esse meu amigo, de preconceito entre iguais e, para isso, só há de haver uma explicação: INVEJA, assim como definida em algum post meu anterior.

Na história que foi contada, assim de sopetão, não posso imaginar qual é o tipo de inveja que aquela ignorante da enfermeira poderia ter. Pode ser qualquer coisa: beleza, juventude, dinheiro, sei lá. Só sei que existe alguma coisa de muito podre na cabeça dela.

Já ao meu amigo, conhecendo-o como incurável idealista, diria, não em iídische: WELCOME TO REAL WORLD".

3 comentários:

  1. Avid, é a primeira vez que aqui venho, pelo que você vem escrevendo no blog do vamp, me identifiquei com suas opiniões.
    Deixe-me apresentar-me:sou Coronel de Cavalaria do Exército,aposentado, bem como formado em Economía pela USP, divorciado mas namorando uma professora de literatura em 2 Faculdades do ABC.
    Conforme nossos comentários de ontem, quanto a dissoluções de nações, artificialmente montadas,
    ainda(além do que eu escrevi) temos República ChecaXEslováquia, os paises bálticos e o prolongado caso RússiaXChechênia etc.
    Apenas como lembrança do passado, aqui vai um pequeno trecho(em russo fonético) do hino da Soyuz Sovietski:
    "Soyuz nerooshimi respooblik svobodnikh
    Splotila naveki velikaia Rus"
    Por enquanto é isso
    Abraços.

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  2. M50 - mande-me um e-mail para meu endereco pessoal para que possamos nos comunicar mais facilmente...

    dddddgold@gmail.com

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  3. Terrivel! E antes de mais nada assustador! Josiane

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